segunda-feira, 20 de abril de 2015

O Suicida do Trem Autor: Adenáuer Novaes
Eu nunca me esquecerei que um dia havia lido num jo rnal acerca de um suicídio terrível, que me impactou: um homem jog ou-se sobre a linha férrea, sob os vagões da locomotiva e foi tri turado. E o jornal, com todo o estardalhaço, contava a tragédia, dizend o que aquele era um pai de dez filhos, um operário modesto. Aquilo me impressionou tanto que resolvi orar por e sse homem. Tenho uma cadernetinha para anotar nomes de pessoas necessitadas. Eu vou orando por elas e, de vez em q uando, digo: se este aqui já evoluiu, vou dar o seu lugar para outr o; não posso fazer mais. Assim, coloquei-lhe o nome na minha caderneta de pr eces especiais - as preces que faço pela madrugada. Da minha janela eu vejo uma estrela e acompanho o seu ciclo; então, fico orando , olhando para ela, conversando. Somos muito amigos, já faz muitos anos. Ela é paciente, sempre aparece no mesmo lugar e desaparec e no outro. Comecei a orar por esse homem desconhecido. Fazia a minha prece, intercedia, dava uma de advogado, e dizia: Meu Jesu s, quem s e mata (como dizia minha mãe) "não está com o juízo no lug ar". Vai ver que ele nem quis se matar; foram as circunstâncias. Ora va e pedia, dedicando-lhe mais de cinco minutos (e eu tenho uma fila bem grande), mas esse era especial. Passaram-se quase quinze anos e eu orando por ele d iariamente, onde quer que estivesse. Um dia, eu tive um problema que me fez sofrer muito . Nessa noite cheguei à janela para conversar com a minha estrela e não pude orar. Não estava em condições de interceder pelos o utros. Encontrava-me com uma grande vontade de chorar; mas , sou muito difícil de fazê-lo por fora, aprendi a chorar por d entro. Fico aflito, experimento a dor, e as lágrimas não saem. (Eu tenh o uma grande inveja de quem chora aquelas lágrimas enormes, volu mosas, que não consigo verter). Daí a pouco a emoção foi-me tomando e, quando me de i conta, chorava. Nesse ínterim, entrou um Espírito e me per guntou: - Por que você está chorando? - Ah! Meu irmão - respondi - hoje estou com muita v ontade de chorar, porque sofro um problema grave e, como não tenho a quem me queixar, porquanto eu vivo para consolar os outr os, não lhes posso contar os meus sofrimentos. Além do mais, não tenho esse direito; aprendi a não reclamar e não me estou quei xando. O Espírito retrucou: - Divaldo, e seu eu lhe pedir para que você não cho re, o que é que você fará? - Hoje nem me peça. Porque é o único dia que eu con segui fazê-lo. Deixe-me chorar! - Não faça isto - pediu. - Se você chorar eu também chorarei muito. - Mas por que você vai chorar? - perguntei-lhe. - Porque eu gosto muito de você. Eu amo muito a voc ê e amo por amor. Como é natural, fiquei muito contente com o que ele me dizia. - Você me inspira muita ternura - prosseguiu - e o amo por gratidão. Há muitos anos eu me joguei embaixo das rodas de um trem. E não há como definir a sensação da eterna tragédia. Eu o uvia o trem apitar, via-o crescer ao meu encontro e sentia-lhe as rodas me triturando, sem terminar nunca e sem nunca morrer. Quando acabava de passar, quando eu ia respirar, escutava o apito e começava tudo outra vez, eternamente. Até que um di a escutei alguém chamar pelo meu nome. Fê- lo com tanto amor, que aquilo me aliviou por um segundo, pois o sofrimento logo volt ou. Mais tarde, novamente, ouvi alguém chamar por mim. Passei a ter interregnos em que alguém me chamava, eu conseguia respirar, pa ra agüentar aquele morrer que nunca morria e não sei lhe dizer o tempo que passou. Transcorreu muito tempo mesmo, até o moment o em que deixei de ouvir o apito do trem, para escutar a pes soa que me chamava. Dei-me conta, então, que a morte não me ma tara e que alguém pedia a Deus por mim. Lembrei-me de Deus, de minha mãe, que já havia morrido. Comecei a refletir que eu não tinha o direito de ter feito aquilo, passei a ouvir alguém dizendo: "E le não fez por mal. Ele não quis matar-se." Até que um dia esta força f oi tão grande que me atraiu; aí eu vi você nesta janela, chamando por mim. - Eu perguntei - continuou o Espírito - quem é? Que m está pedindo a Deus por mim, com tanto carinho, com tanta misericó rdia? Mamãe surgiu e esclareceu-me: - É uma alma que ora pelos desgraçados. - Comovi-me, chorei muito e a partir daí passei a v ir aqui, sempre que você me chamava pelo nome. (Note que eu nunca o vira, face às diferenças vibra tórias.) - Quando adquiri a consciência total - prosseguiu e le - já se haviam passado mais de catorze anos. Lembrei-me de minha f amília e fui à minha casa. Encontrei a esposa blasfemando, injuria ndo-me: "- Aquele desgraçado desertou, reduzindo- nos à mais terrível miséria. A minha filha é hoje uma perdida, porque não teve com ida e nem paz e foi-se vender para tê-los. Meu filho é um bandido, porque teve um pai egoísta, que se matou para não enfrentar a resp onsabilidade. Deixando-nos, ele nos reduziu a esse estado." - Senti-lhe o ódio terrível. Depois, fui atraído à minha filha, num destes lugares miseráveis, onde ela estava exposta como mercadoria. Fui visitar meu filho na cadeia. - Divaldo - falou-me emocionado - aí eu comecei a s omar às "dores físicas" a dor moral, dos danos que o meu suicídio trouxe. Porque o suicida não responde só pelo gesto, pelo ato da aut odestruição, mas, também, por toda uma onda de efeitos que decorrem d o seu ato insensato, sendo tudo isto lançado a seu débito na lei de responsabilidades. Além de você, mais ninguém orava , ninguém tinha dó de mim, só você, um estranho. Então hoje, que vo cê está sofrendo, eu lhe venho pedir: em nome de todos nós, os infelizes, não sofra! Porque se você entristecer, o que será d e nós, os que somos permanentemente tristes? Se você agora chora, que será de nós, que estamos aprendendo a sorrir com a sua aleg ria? Você não tem o direito de sofrer, pelo menos por nós, e por amor a nós, não sofra mais. Aproximou-se, me deu um abraço, encostou a cabeça n o meu ombro e chorou demoradamente. Doridamente, ele chorou. Igualmente emocionado, falei-lhe: - Perdoe-me, mas eu não esperava comovê-lo. - São lágrimas de felicidade. Pela primeira vez, eu sou feliz, porque agora eu me posso reab ilitar. Estou aprendendo a consolar alguém. E a primeira pessoa a quem eu consolo é você. Mensagens Cristãs / Divaldo Franco

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